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Sweet Nothing

Sweet Nothing

Sab | 11.12.10

Dreams of Love - Capítulo VIII - Com "p" grande

 

Durante aquela noite não despertei do sono uma única vez, uma noite tranquila como há muito não tinha. A minha mãe, das duas uma, ou tinha ficado a trabalhar até muito tarde ou então tinha ido em viagem e não me avisara. Apesar de tudo queria despedir-me dela, queria-lhe agradecer pela oportunidade e por ter tentado fazer o melhor para mim, se isso não acontecesse não iria ficar sossegada comigo mesmo e iria partir para Lisboa com um peso na consciência. Os pesadelos sobre o meu passado, por estranho que pareça naquela noite não surgiram, e apesar de estar cada vez mais próxima de o reencontrar não sentia medo, apenas revolta. O meu pai tinha marcado a viagem na noite anterior, mesmo sem ter falado com a minha mãe ele provavelmente saberia que o melhor para mim era mesmo sair daquele lugar e regressar às origens.

Saía de Berna por volta das 15h00 e chegaria a Lisboa por volta das 17h30, o jogo na Luz começava as 20h15 e apesar do pouco tempo para descansar, ia ver o jogo afinal não entrava naquele estádio há quase um ano, e isso estava a deixar-me louca. Sempre fui uma benfiquista ferrenha desde pequenina independentemente do Fábio e do Ruben jogarem naquele clube. Eu amava o Benfica pelos seus títulos, pela garra, pela ambição e por apoiar várias causas e modalidades. Em Portugal, o glorioso reina e disso que ninguém tenha dúvidas. Que saudades, daquele cheiro muito característico da belíssima cidade alfacinha, que conquista os corações dos vários turistas que por ela passam.

Acordei por volta das dez da manhã, o dia estava fresco não muito frio apenas com uma pequena brisa que provoca as pessoas como se de um desafio se tratasse. Depois de me espreguiçar e aproveitar mais um bocadinho da cama, fui até à janela que tinha ficado aberta durante a noite, subi mais um pouco a persiana e fiquei a admirar Berna. Se não tivesse ido para aquela cidade contrariada talvez gostasse de lá morar, mas as circunstâncias não foram as melhores o que fizeram com que aquela cidade me trouxesse e me transmitisse uma infelicidade enorme. A minha casa permanecia em silêncio, os meus pais deviam estar no trabalho. Dirigi-me até a casa de banho, tomei um banho quente e relaxante.

Queria aproveitar os últimos momentos ali, por isso vesti a roupa que tinha deixado de parte no dia anterior: uma túnica cinzenta com um cinto castanho a marcar a cintura; um cardigan com um padrão que eu considero típico do inverno (com tons de castanho, branco, preto e cinza), umas collants pretas e umas botas também da mesma cor. Deixei o cabelo ao natural, para que ele adquirisse os caracóis que eu tanto gostava e coloquei uma boina castanha. Agarrei num pacote das minhas bolachas favoritas, num pacote de sumo, na minha carteira castanha onde tinha algum dinheiro, o meu telemóvel e o meu ipod e sai de casa. Sentia necessidade de me despedir do único lugar onde tinha estado mais tempo, onde não sentia saudades de casa mas sim próxima dela: o parque com aquele lago maravilhoso onde passei a maioria das tardes. Hoje estava bem-disposta e isso notava-se devido ao meu sorriso. Apanhei o autocarro que parava mais próximo do parque e rendi-me aos encantos daquele sítio. Caminhei entre as altas árvores que ali se encontravam e que quase sempre estavam rodeadas de folhas de várias cores, o que tornava o parque ainda mais bonito. Sentei-me perto do lago, comi as bolachas e bebi o sumo que trouxera de casa … comecei a mentalizar-me que faltavam poucas horas para o meu regresso a casa. O telemóvel tocou - Ruben a chamar – mostrava o ecrã daquele aparelho, resolvi atender pois há muito tempo que não falava com ele, devia estar a estranhar a falta de informação.

  • Telefonema

-Mano, que saudades tuas! – Disse com a voz entusiasmada.
-Chama-lhe saudades chama, se não fosse eu a ligar-te tu nem isso fazias.
- Não sejas assim comigo e não te armes em bonzinho – adorava picá-lo – está tudo bem por aí?


- Sim, por aqui está tudo numa boa. Estou com o Fábio e com o pessoal aqui no centro, hoje temos jogo na Luz – como se eu não soubesse – e tu como estás?
- Também estou bem, finalmente os meus pais perceberam-me e falaram comigo.
- Vês eu disse-te que se falasses com eles ias resolver as coisas, e já podias ter feito isso há mais tempo mas és uma cabeça dura.


- Vá lá, sermões a esta hora não pff mano. Mudando de assunto: preparado para o jogo?


-Claro que sim, olha o Fábio está a mandar beijinhos.


- Manda também para ele e diz que estou cheia de saudades dele e da Andreia – esperei que o Ruben mandasse o recado e recomecei a andar novamente para casa.


- Ele também está cheio de saudades. Quando nos fazes uma visita e vens ver o mano a Catedral? – Mais cedo do que pensas pensei eu com os meus botões.


-Não sei Ruben, talvez nas férias … - ouvi alguém a chamá-lo do outro lado – já vi que tens de ir ter com alguém. Vai lá e boa sorte Amorim.


- Pois, obrigada trenga.


- Mas tu gostas. – Rimo-nos em conjunto e desliguei a chamada.

  • Fim do telefonema


Olhei para o relógio da cozinha, marcava 13h45. Estava quase na hora de ir para aeroporto e o meu pai nunca mais chegava, da minha mãe nem sinal. Respirei fundo mais uma vez, coloquei as malas no hall de entrada e pela enésima vez liguei para o número da minha mãe – nada. Ouvi a porta a fechar-se atrás de mim, o meu pai tinha chegado finalmente e em menos de vinte minutos tomou banho, vestiu-se de uma maneira mais confortável e comeu uma fatia do seu bolo preferido, ainda teve tempo para um último telefonema do trabalho – isto tudo enquanto eu desesperava pois a hora aproximava-se e um nervoso miudinho tomava conta de mim. Em poucas palavras e com um sorriso nostálgico no rosto pegou nas minhas malas e colocou-as no carro, verificamos se estava tudo em ordem e voltei a tentar ligar a minha mãe – nada, outra vez. No caminho para o aeroporto, o meu pai revelou finalmente o motivo da ausência da minha mãe – palestra importantíssima de última hora à qual não podia faltar, nem para assistir à despedida da filha, há coisas que nunca mudam e é bem verdade. Depois desta explicação, o único barulho que se fazia sentir no carro preto que o meu pai tinha era o da música clássica na rádio e o tempo passava, passava e passava. Chegamos ao aeroporto, 14h25 da tarde … o meu pai tratou de todos os procedimentos habituais antes de se iniciar uma viagem de avião, e ficamos um bocado há espera que a primeira chamada para o voo fosse feita… os dois permanecíamos em silêncio. Mas será que o tempo parou? Esqueceram-se do voo Berna-Lisboa? Que nervos.
Depois da espera e do silêncio, uma voz feminina chamou pelos passageiros – tinha chegado o momento que ditaria a minha felicidade.


- Parece que é agora que nos separamos. – disse o meu pai colocando-se de pé e estendendo-me a sua mão direita.

-Sim, é agora – disse convicta das minhas próprias palavras e agarrei na sua mão – obrigada mais uma vez, obrigada por ter feito o melhor para mim e por estar aqui comigo agora.

- Não precisa de agradecer, sou seu pai e acima de tudo quero ter a certeza que a menina vai ser feliz. Se isso implicar tê-la longe de mim: que seja.
Sorri levemente e abracei aquele homem, o meu pai – com todo o mérito e com um “p” grande, estava-lhe eternamente agradecida por tudo, sem nenhum ressentimento. Despedi-me do meu pai e fui até às portas de embarque, lembro-me de olhar mais uma vez para o meu pai e já dentro do avião olhar pela última vez para aquela cidade, depois de colocar os headphones nos ouvidos fechei os olhos e adormeci … a viagem não era muito longa e se fosse feita a dormir menos comprida pareceria. 

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